Portal ENSP - Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Portal FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz

Cesteh emite Parecer Técnico sobre autorização para uso do amianto na Bahia

O Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz) emitiu um Parecer Técnico em repúdio a uma sentença proferida pela Juíza do Trabalho         Titular, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, na Bahia pela liberação da utilização do amianto pela multinacional Dow Brasil. A juíza concedeu permissão para o uso da   tecnologia de diafragma de amianto, método usado pela empresa, até o dia  31 de outubro deste ano, quando a multinacional deverá cessar o uso dessa tecnologia e o estoque de   amianto, até então, deve ser interditado.

Acontece que, em 2017, a utilização do mineral foi proibida por completo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após muitos anos de luta dos setores de saúde e defesa dos direitos   humanos, dos parlamentares, e todas as forças pró-saúde. Até então, o Brasil se enquadra em um dos 69 países que já baniram o amianto devido à gravidade das doenças provocadas   por este mineral.

O Parecer Técnico, assinado pelo Cesteh e escrito pelo pesquisador do Centro Francisco Pedra, além de questionar a justificativa utilizada pela juíza, aponta diversos perigos e retrocessos com a liberação “extraordinária”.

A decisão da juíza decorre da proposição de uma Medida Cautelar Incidental emitida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) decorrida de um inquérito civil instaurado a partir da Notícia de Fato trazida pela Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) perante a multinacional Dow Brasil requerendo a interdição do estoque de amianto da empresa. Na presente ação, pontua-se que “o estoque de amianto armazenado na planta industrial da empresa requerida não tem suporte jurídico capaz de legitimar o seu aproveitamento econômico, quer pela autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal, quer pela lei estadual de proibição, quer pela ausência de cadastro junto à inspeção do Trabalho”.

Em sua alegação na proposição, a juíza utiliza trechos da justificativa da relatora da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.470, Ministra do STF, Rosa Weber, para basear a sua alegação em que diz que “a exposição ao amianto na atividade de produção de cloro pelo método de eletrólise é exercida, sem a exposição de pessoas ao material”. Além disso, a juíza argumenta que Dow propôs um cronograma para a substituição da tecnologia até o ano de 2023, o que se justificaria, segunda a juíza, pelo fato de a empresa atuar há mais de 40 anos na atividade “adotando rígidas medidas de proteção aos trabalhadores sendo que, nesse longo período de atuação, não restou demonstrado objetivamente qualquer caso ou registro de adoecimento por exposição ao amianto crisotila, nem mesmo com relação a funcionários já aposentados”.

O que aponta o Parecer Técnico é, se não ocorre exposição ao amianto tóxico, porque haveria ocorrido intensa mobilização em todo o mundo, e inclusive no Brasil, para a substituição dessa tecnologia criminosa? Além disso, os pesquisadores apontam que todas as grandes concorrentes da Dow Química, localizadas em São Paulo e Alagoas, realizaram a substituição no processo produtivo sem eliminar nenhum posto de trabalho. Em contraponto as “rígidas medidas de proteção aos trabalhadores”, pontuada pela juíza, o Parecer aponta que a Bahia é um dos estados com o maior registro de mortes por mesotelioma maligno, o chamado câncer do amianto, em todo o país. Em pesquisas realizadas pelo Centro, foi identificado um óbito em Candeias, sede da Dow, registrado no Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Bahia. “Encontrar a comprovação da exposição dessa pessoa em atividade da Dow é tarefa de que o SUS irá se desincumbir”, cita o documento.

 

A ciência brasileira tem promovido grandes avanços para revelar esse iceberg de doenças e mortes ocultas, seja porque os sintomas demoram 40 a 50 anos a aparecer, seja porque os trabalhadores e até os médicos são intimidados a não reclamar ou informar o diagnóstico correto por receio de pressões de todos os tipos, seja pela precariedade da assistência prestada aos pacientes. É fácil entender que pacientes doentes que moram em lugares com poucos recursos de assistência, buscam socorro médico em cidades muitas vezes distantes. Mas nós estamos em ação, e conseguindo, como dezenas de países conseguiram, afastar as cortinas, em alguns casos criminosas, que ocultam ou contribuem para ocultar, os doentes e os mortos pelo amianto. Estamos comprometidos diretamente com essa tarefa, nós e uma plêiade de excelentes profissionais de saúde do SUS e da ciência brasileira que se desdobra em defesa da população.

Trechos do Parece Técnico emitido pelo Cesteh

O documento também faz ressaltas ao plano internacional firmado em consenso por todas as agências de saúde, como a OMS, a OIT, as Sociedades das Especialidades Médicas, agências reguladoras do meio do trabalho e do meio ambiente em geral, de que “as fibras do amianto são confirmadamente causadoras de alguns cânceres, e outras doenças não malignas, em qualquer dose de fibra que seja aspirada”, além de relembrar que “tais doenças são muito graves, causadoras de muito sofrimento, incuráveis, e em vários casos, com sobrevida muito curta”.

Apenas QUATRO trabalhadores

Em sua defesa, apoiada pela sentença judicial, a multinacional justificou que “apenas quatro trabalhadores teriam contato com o mineral, além de alegarem que os trabalhadores são terceirizados. O documento do Cesteh reitera que amianto/asbestos está sendo completamente banido porque seus efeitos graves à saúde humana não dependem de qualificações como frequência, duração e o nível da exposição, bem como o tipo de trabalho e as condições existes nele. As pessoas que inalarem qualquer quantidade de fibras de amianto poderão adoecer de uma das doenças causadas pelo material.

A Dow Brasil Indústria e Comercio de Produtos Químicos Ltda, fabrica produtos plásticos, químicos e agropecuários, utilizando a técnica de diafragma de amianto na fabricação de cloro. Segundo a Notícia de Fato da Abrea, a técnica, mesmo sendo “obsoleta”, foi apoiada em mera pactuação entre empresa e sindicato.